Os desafios do Serviço Social numa sociedade global
- Fátima Garcia
- 20 de jun. de 2016
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Sob o pensamento de Malacalza (2003), as mudanças produzidas nas ultimas décadas na sociedade global transformaram radicalmente as relações sociais, produzindo uma humanidade atravessada e articulada por uma crise estrutural/estratégica, não representativa de um simples “disfuncionamento”, mas em rutura com os referenciais operativos da sociedade, e que agita as práticas sociais.
O enfraquecimento do Estado Social advindo da globalização, convoca o Serviço Social a redefinir o seu papel e missão mantendo-se fiel aos seus compromissos profissionais. Novas regiões globais e a globalização local dos problemas sociais, que consolidam a democracia e os direitos humanos, a prevenção de conflitos e a promoção da solidariedade e da paz por via da integração cultural global, são algumas das principais preocupações do Serviço Social Internacional (Ahmadi, 2003). O Serviço Social necessita de eficácia para operar tanto a nível global como local, contudo, o Serviço Social Internacional tem sido visto como uma especialização menor, com pouca relevância para a prática convencional (Midgley, 1997), quando os problemas dos utentes são causados tanto por forças globais como por forças nacionais, e não se podem compreender os problemas locais, sem referência a fatores económicos, políticos e culturais globais. (Ife, 2001)
(...) o trabalho profissional cotidiano passa a ser conduzido, segundo dilemas universais, relativos à re-função do Estado e sua progressiva absorção pela sociedade civil - que se encontra na raiz da construção da esfera pública - da produção e distribuição mais equitativa da riqueza, da luta pela ultrapassagem das desigualdades pela afirmação e concretização dos direitos e da democracia. (Iamamoto, 2008:228)
Citando Queiroz (s.a.), a globalização promovendo a internacionalização dos problemas sociais (aumento da pobreza, no mesmo país e entre países, transposição dos problemas sociais duns países para outros, de uma parte do planeta para a outra, crescimento do movimento migratório), desafia a natureza local do Serviço Social e transporta os profissionais para dimensões internacionais num agir além-fronteiras, perspetivando estratégias transnacionais. Desta forma, a educação e formação dos profissionais são dimensões essenciais para o desenvolvimento de novas teorias e formas de prática envolventes de extensões da internacionalização do Serviço Social. Dominelli (2010), vai mais longe ainda, quando desafia o Serviço Social a ser uma disciplina reconhecida mundialmente e capaz de um papel relevante no domínio político a nível local, nacional e internacional, facilitando a alteração emancipatória da profissão, envolvendo-a como um todo no sistema contemporâneo, tanto a nível individual como coletivo.
Em resumo, a transformação das atuais sociedades em processos de globalização, potencia mudanças substanciais económicas, políticas, culturais e sociais, representadas por processos de exclusão social notórios na história da humanidade. De todas as mudanças, advindas da globalização destaca-se o desempoderamento dos Estados‐nação e a contração de gastos públicos severamente refletidos nas prestações sociais, por via de um Estado enfraquecido em face da nova ordem internacional, com função essencialmente de controle da pobreza num aparato penal que criminaliza a miséria. Neste contexto justifica-se indubitavelmente uma abordagem no âmbito dos direitos humanos, sob as perspetivas de Habermas (2009) e Boaventura Sousa Santos (2005), que fundamentam o direito ao defronto de uma sociedade multifacetada e excludente, lesiva dos direitos humanos sob variadas formas e justificativas. (Emmerick, 2010)
Assim, o grande desafio consiste no reposicionamento do Serviço Social erigido por ações políticas, apelando a sinergias geradoras de avanços qualitativos de consciência humana e social, em substituição de uma economia de sentido único por uma global que pondere os custos humanos deslembrados, bem como as capacidades humanas desconsideradas, numa miragem do futuro que reescreva o presente, idealizando uma visão a globalizar (Ramalho, 2012). Como refere Ferreira (2005), o Assistente Social já não é o missionário, nem apenas o técnico, também é intelectual e produz saber, numa realidade que provoca a mudança da representação social, por parte daqueles que deveriam atentar às transformações de alguns grupos profissionais e à promoção a que têm direito, por conquista pública, pois nas palavras de Iamamoto (2000:180), “(...) já fomos tidos como missionários nas origens; já fomos tidos como técnicos, e hoje lutamos pela condição de intelectuais (e pesquisadores) com potência técnica, e não apenas de um técnico com verniz intelectual.”
Em linha com o pensamento de Gray e Fook (2004), as questões centrais no debate universal devem posicionar-se além de na preservação profissional e universalidade dos valores, fundamentalmente na descoberta de formas melhoradas de obtenção de objetivos de justiça social e de transformação do mundo em versão melhorada para todos aqueles que sofrem com a pobreza e a injustiça generalizada. Desta forma, o quesito prioritário, representa o florescer de processos colaborativos para encontrar e desenvolver pontos comuns, em combate a causas comuns. A necessidade de encontrar um formato comum para falar sobre Serviço Social, não serve apenas para valorizar e reafirmar o trabalho mútuo, mas também para melhorar e fiscalizar a prática, à parte a “bagagem” política adquirida por via da generalização do trabalho DO Serviço Social (Gray e Fook, 2004). Urge encontrar “embalagens” eloquentes e persuasivas que asseverem a desmarginalização do Serviço Social em novos ambientes económicos (Fook, Ryan e Hawkins 2000), “pacotes” estes, virados tanto para o exterior (expansivos), como para o interior (reflexivos). (Gray e Fook, 2004)
Bibliografia
Malacalza, Susana (2003), “Globalização e subjetividade: uma questão para o Serviço Social.", Revista Katálysis, 6(1): 71-75
Ahmadi, Nader (2003), “Globalisation of consciousness and new challenges for international social work”, International Journal of Social Welfare, 12(1):14-23
Midgley, James (1997), “Social Welfare in Global Context”, Sage, Thousand Oaks Calif
Ife, Jim (2001), “Local and global practice: Relocating social work as a human rights profession in the new global order”, European Journal of Social Work, 4(1):5-15
Queiroz, Maria José (s.a.), “Contextos Contemporâneos da Prática. Questionamentos e propostas Críticas do Serviço Social. Pistas para uma prática do Serviço Social a nível internacional”, Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social
Iamamoto, Marilda Vilela (2008), O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional, São Paulo, Cortez, (14ª edição)
Dominelli, Lena (2010), Social Work in a Globalizing World, Polity Press
Habermas, Jürgen (2009), Técnica e ciência como "ideologia", Lisboa, Edições 70
Santos, Boaventura Sousa (2005), “Os processos da globalização”, em (Org.), Globalização: fatalidade ou utopia?, Porto, Edições Afrontamento
Emmerick, Rulian (2010), “Globalização, exclusão social, e Direitos Humanos na sociedade contemporânea.” Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, 75, disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7532, acedido em junho de 2016
Ramalho, Nélson Alves (2012), “Processos de globalização e problemas emergentes: implicações para o Serviço Social contemporâneo.”, Serviço Social e Sociedade, (online), 110:345-368, disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-66282012000200007
Ferreira, Aida (2005), “A ação do Serviço Social em contexto da Globalização: Limites e (ou) Desafios." , Campus Social-Revista Lusófona de Ciências Sociais, 2:19-25
Iamamoto, Marilda (2000), Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. Ensaios críticos, São Paulo, Cortez (6ª. edição)
Gray, Mel e Jan Fook (2004), "The quest for a universal social work: Some issues and implications.”, Social Work Education, 23(5): 625-644
Fook, Jan, Martin Ryan e Linette Hawkins (2000), Professional Expertise: Practice, theory and education for working in uncertainty, London, Whiting & Birch
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