Serviço Social, Direitos Humanos e Cidadania
- Fátima Garcia
- 23 de jan. de 2016
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No dia 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) composta por 58 Estados Membros gerou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, para o “encontro da humanidade consigo mesma”, incorporando direitos sociais, económicos e culturais e direitos civis e políticos. (Rolim, Oliveira e Querino, 2012:1)
Para a ONU, a promoção e proteção dos Direitos Humanos representam os componentes base da identidade do Serviço Social, desta forma, o primeiro volume da Série de Formação Profissional (manuais dirigidos a profissionais cuja atividade pode influenciar a promoção e proteção dos Direitos Humanos), foi dedicado ao Serviço Social. O Manual Direitos Humanos e Serviço Social: Manual para Escolas e Profissionais de Serviço Social, produzido pela FIAS e pela AIESS, facultou aos estudantes, docentes e profissionais do Serviço Social o conhecimento e desenvolvimento da consciência das temáticas inerentes aos Direitos Humanos e de justiça social, simplificando a divulgação dos instrumentos de Direitos Humanos internacionais e regionais (ONU, 1999); a versão portuguesa do manual foi editada pelo Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, em 1999. (Sousa, 2015)
Contudo, Rolim, Oliveira e Querino (2012), referem que, independentemente das normas consagradas, a realidade revela que os Direitos Humanos, não são universais, assistindo-se à sua expropriação numa realidade que “(...) naturaliza uma espécie de nem direitos nem humanos.” (Freire, 2011:166). O respeito e a dignidade ao ser humano, dirigem, portanto, a construção de estratégias de resistência à violação e opressão das partes oprimidas e o reforçar das lutas sociais pela emancipação humana, transpondo formatos de inclusão estabelecidos e compreendendo os Direitos Humanos como “património histórico e da humanidade”, resultado de contínuas lutas coletivas. (Rolim, Oliveira e Querino, 2012:5)
Na atual crise de valores com que os assistentes sociais se debatem a nível micro, meso e macro, para Sousa (2015), os oito valores filosóficos que suportam a extensão dos Direitos Humanos são centrais, na formação dos assistentes sociais:
Respeitar a vida é condição “sine qua non” para o progresso do trabalho arrolado aos Direitos Humanos. Implica: consciência de que as formas de vida, humana e não humana, são intimamente relacionadas e interdependentes, bem como, o cuidado pela manutenção e desenvolvimento da qualidade de vida das populações e da dignidade humana (ONU, 1999:27).
A “liberdade e autonomia” sinalizam a importância do respeito pelas liberdades fundamentais, onde a liberdade e a vida se destacam como os mais valiosos bens humanos, alistados à dignidade e valor da vida humana; a realçar também o direito à privacidade e à autodeterminação e a consolidação da luta contra todas as formas de opressão (ONU, 1999: 27-28).
Direito à “igualdade e não discriminação” reflete o ser humano na sua totalidade; a discriminação define a pessoa com base numa particularidade, seja ela, o sexo, raça, cor, religião ou outra. A discriminação é a negação dos direitos fundamentais e universalmente reconhecidos de todos os seres humanos em relação às pessoas ou grupos de pessoas em situação de exclusão e assume várias formas. Lutar contra a discriminação compromete os assistentes sociais à permanente consciência das suas próprias convicções, atitudes e motivações (ONU, 1999: 28-29).
A defesa da “justiça” inclui aspetos legais, judiciais, sociais, económicos, etc.(pilares do apreço societário pela dignidade das pessoas e garantia da sua segurança e integridade). Ressalta-se a relevância da imparcialidade na administração da justiça e a concretização da justiça social, satisfazendo as necessidades humanas fundamentais por via do acesso universal aos serviços fundamentais (saúde, educação, igualdade de oportunidades, proteção das pessoas ou grupos mais desfavorecidos) e à distribuição igualitária dos recursos materiais. Justiça e justiça social são as melhores defesas à opressão sob qualquer forma e os pilares de um modelo de desenvolvimento humano mais harmonioso. (ONU, 1999: 29).
A “solidariedade” engloba a compreensão e empatia face à dor e sofrimento da humanidade, a identificação com os que sofrem e a defesa da sua causa, em fortalecimento da sua determinação e redução do seu isolamento; a solidariedade é particularmente essencial nas disposições exteriormente menos dramáticas, onde o sofrimento é escondido e ocultado (ONU, 1999: 29-30).
“Responsabilidade social” significa adotar medidas em prol dos que sofrem e das vítimas (defender, favorecer as suas causas e auxiliar). Inerente à “responsabilidade social” o conceito de “ser depositário”, obriga a que, o que dispomos e o que é posto ao nosso cuidado deve ser partilhado e usado para favorecer os outros, ultrapassando a repartição da riqueza e incluindo a utilização e consagração do talento intelectual e as capacidades de cada um, visando o progresso da Humanidade (ONU, 1999: 30).
A “evolução, paz e não-violência” são os pilares de sustentação do conceito de Direitos Humanos e decisivos para a qualidade das relações interpessoais, bem como de superação de conflitos com soluções pacíficas e construtivas. A “abordagem evolutiva”, por via da arbitragem e da conciliação, é mais lenta e menos recompensadora no imediato, mas mais duradoura e eficaz. É a “evolução pacífica”, que o Homem objetiva na sua luta pela liberdade, justiça e justiça social, e por um mundo onde os conflitos possam resolver-se o uso da violência.(ONU, 1999: 30-31).
As “relações entre o Homem e a natureza” aportam questões ecológicas e de sustentabilidade ligadas aos modelos de desenvolvimento; assinala-se a carência de políticas competentes para a prevenção e conserto dos danos causados no ambiente, onde são fulcrais os programas de educação ambiental. Os assistentes sociais detêm um papel ativo neste processo, por via da construção de “pontes” entre os diversos grupos. (ONU, 1999: 31-32).
Também a Agenda Global (The Global Agenda for Social Work and Social Development) representa uma resposta conjunta da Federação Internacional dos Assistentes Sociais (FIAS), Associação Internacional de Escolas do Serviço Social (AIESS) e International Council on Social Welfare (ICSW), à progressiva complexidade global e principais desafios societários atuais. Foi exposta às Nações Unidas, em 2012, e representa objetivos de justiça social e desenvolvimento social, explanando as ambições comuns às três organizações; pretende ainda fortalecer o perfil e a visibilidade do Serviço Social, fomentar novas parcerias, ampliar a confiança dos assistentes sociais e promover um contributo mais robusto destes profissionais no desenvolvimento de políticas (Jones e Truell, 2012, citados por Sousa, 2015).
A definição de objetivos foi estruturada a nível macro (relações com as Nações Unidas e outras agências internacionais), meso (trabalho com comunidades e parceiros locais) e micro (trabalho dentro da própria organização). As três organizações representativas dos assistentes sociais, educação na área do serviço social e do desenvolvimento social, expressam a defesa de uma nova ordem mundial baseada no “respeito pela dignidade e pelos direitos humanos, que defenda e promova a justiça social e que favoreça uma estrutura diferente das relações humanas (Sousa, 2015:21). Entre 2012 e 2016, as sinergias têm vindo a ser centralizadas em quatro áreas prioritárias: promoção da igualdade social e económica, promoção da dignidade e valor dos povos, laborar em benefício da sustentabilidade ambiental, e por último, no reforço do reconhecimento da importância das relações humanas. O objetivo final é alcançar o empenhamento de assistentes sociais de todo o mundo, na execução da Agenda nos seus contextos locais, estimulando a sua imaginação e participação no diálogo internacional sobre o rumo dos procedimentos da Agenda Global. (Sousa, 2015)
Desta forma, o Serviço Social, como profissão histórica, tem vindo a adequar-se e reestruturar-se, no sentido de acompanhar as mudanças sociais políticas, económicas e culturais, mudanças estas, castradoras da consolidação dos direitos humanos e da cidadania na sociedade civil. A “desconstrução” das políticas sociais e dos direitos, (efeito das políticas neoliberais), e os consequentes processos de exclusão social, lesam o histórico das conquistas advindas das lutas e participação sociais; na inexistência de políticas sociais estáticas ou isoladas. Urge pensar estas políticas, numa perspetiva dialética, onde o seu desenvolvimento se desenrola progressiva e historicamente, na determinante das relações de força na sociedade. (Aquino, s.a: 2-3)
Para Benevides (2009), os direitos humanos como universais, naturais e históricos e associados à natureza humana superam fronteiras jurídicas e soberanias dos Estados; a assimilação destes direitos não é estática, uma vez que se submete às interferências dos movimentos sociais e políticos. A cidadania e os direitos da cidadania obedecem à ordem jurídico-política vigente num estado ou país, que também define e garante quem é cidadão; não perfilhados universais, uma vez que se inserem na Constituição de cada nação, são políticos e não se integram em valores universais, mas sim em decisões políticas. Surgem aqui as divergências entre direitos de cidadania e direitos humanos (semelhantes); embora os direitos humanos sejam mais vastos e abrangentes, o direito à cidadania não pode violá-los. (Aquino, s.a)
Dominelli e Hackett (2012), reforçam a importância da Agenda Global como um importante documento histórico, com destacada relevância estratégica no reforço da profissão enquanto ator social global e alargamento da sua visibilidade internacional, posicionando-a para melhor contribuir para o bem-estar das pessoas e respeito pelo meio ambiente, num panorama de direitos humanos e justiça social.
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