O CONHECIMENTO EM SERVIÇO SOCIAL
- Fátima Garcia
- 18 de jan. de 2016
- 4 min de leitura

Como prática social transformada em profissão, pela “nova” divisão sociotécnica do trabalho (Europa e EUA no final do século XIX) a polémica sobre a relação entre conhecimento e Serviço Social foi estimulada pelo debate sobre o “diagnóstico social”, enquanto novo campo de aplicação do conhecimento psicossocial (sujeito-sociedade) ou numa expressão de mútua influência (indivíduo e meio); novo domínio de conhecimento albergado/ordenado, sob os conhecimentos da Psicologia e da Sociologia. A análise crítica das bases ideológicas da constituição sócio histórica da profissão e dos seus elementos, definiu a compreensão da sua inclusão nas dimensões ético-valorativas da questão social e da sua função social no processo de reprodução das relações sociais; transpor este processo foi difícil dado o confronto com a singularidade das metodologias onde imperavam escalas de análise para a ação (produção do conhecimento como objetivo/resultado), sobrepondo métodos de pesquisa e métodos de diagnóstico social (mudança da situação encontrada) para a ação profissional.
“(…) Analisar para conhecer e analisar para agir implica variedade de processos metodológicos que pressupõem resultados diferentes”; a sustentação da análise do real na teoria social mostrou-se essencial para a construção do conhecimento crítico da sociedade. (Sposati, 2007:16)
Pena (2014), refere que o conhecimento em Serviço Social conjugando a teoria e a prática impõe uma clarificação conceptual que questione esta relação, sendo que é na intervenção (relação entre o profissional e a pessoa utilizadora dos serviços) que se combina a teoria e a prática, onde o instrumento operativo são as metodologias que reúnem opções teóricas, dependentes do contexto. Para Narhi (2002), existem múltiplos tipos de conhecimento para alcance dos detalhes de “uma expertise”: conhecimento teórico, conhecimento pessoal, processual e prático; o conhecimento sobre o fenómeno é o conhecimento substancial, e o conhecimento sobre a forma de usar esse conhecimento a expertise. O conhecimento teórico define e o prático faz, como conhecimento técnico do “saber como”, ou sobre a pessoa; o conhecimento empírico baseia-se em fatos e a base empírica do conhecimento compreende a recolha de experiências das pessoas. Inter-relacionar experiências e exemplos de situações da prática origina conhecimento sobre a vida pessoal, dificuldades e situações de vida; o conhecimento gerado acaba por ser assinalado pelo conhecimento prático, sem afastamento de teorias gerais, mas produzindo um espaço de conhecimento definido pela experiência real de vida, de situações, segmentos e classes sociais. O conhecimento prático (situacional, experimental, pessoal ou social), engloba uma orientação teórica; evidenciar esse conhecimento no campo dos conceitos, proporciona novas categorias de generalização ou explicação, não dependentes apenas de práticas isoladas ou grupais. (Narhi, 2002, citada por Sposati, 2007:23-24)
A concentração de informação necessita de processamento por pesquisadores que captem nuances e as sistematizem, não para valorar o conhecimento instrumental para a solução de problemas (racionalidade técnica de profissões práticas), mas para granjear um conhecimento que defenda as dimensões socioculturais e históricas e consinta a sua consolidação não como modelo, mas nas diversidades onde reside o potencial de transformação. Uma direção social a mediar o Serviço Social prioriza valores na construção do conhecimento (perspetiva intencional); encara um fenómeno no sentido de ultrapassar o disposto como negativo (vitimização, opressão, exclusão, etc.). O conhecimento acumulado, conduz à partilha e transmissibilidade, desse conhecimento; inclui a competência de atribuir novos sentidos contextuais. (idem)
Em Portugal, para Branco (1992), o processo de construção do conhecimento em Serviço Social como disciplina profissional no campo das ciências sociais foi tardio e complexo (1989), mas foi este reconhecimento académico de regime universitário e a criação dos primeiros planos de doutoramento em Serviço Social que descerraram perspetivas para o Serviço Social em Portugal. No entanto, persiste a ausência de regulação da formação em Serviço Social e a propagação de formações académicas, de nível secundário e superior, no campo da intervenção social; como tal, urge estabelecer formatos de regulação da formação em Serviço Social, indagando a divisão entre social, educacional e cultural (assistentes sociais, educadores e professores, animadores), não restringindo o agir profissional dos assistentes sociais à dimensão económico-social, em dissimulação ou representação de uma cultura onde as necessidades humanas básicas são apenas as “de subsistência” (Falcão, 1979, citada por Branco, 1992:11-12).
Por outro lado, Branco (1992) afirma que nos planos de doutoramento facilitadores de mecanismos de investigação e propagação do conhecimento do Serviço Social em Portugal, as imposições de desenvolvimento do conhecimento académico não se devem limitar a programas de pós-graduação onde a produção de conhecimento se associa a processos individuais de investigação, com reduzido grau de socialização e integração no meio profissional; é necessária a criação de uma rede de unidades de investigação (entidade e programas próprios), sob a forma de cooperação científica, articulando programas de pós- graduação profissional especializada e incorporando investigadores académicos e profissionais. Para Branco (2008), independentemente das competências formativas e investigativas em Serviço Social, este ainda não é perfilhado como produtor independente de conhecimento e investigação; as diligências de investigação nas universidades e centros de investigação são vagas. Branco (2008) enumera vários fatores que contribuem para esta realidade: reduzido debate cientifico, carga das obrigações institucionais do Serviço Social (Martins, 1999, citada por Branco, 2008), cultura e “habitus profissional”, a figura socio-histórica do Serviço Social como profissão interventiva (Faleiros, 1997) e a escassa formação dos pesquisadores (Faleiros, 1997 e Martins,1999).
Carvalho (2014) avança que nos cursos de Serviço Social os assistentes sociais ensinam a prática, descurando a dimensão teórica da formação (salvo as teorias e metodologias); como o serviço social não é reconhecido como disciplina autónoma, os professores de outras áreas das ciências sociais, são responsáveis por unidades curriculares de Serviço Social. Por outro lado, muitas vezes, o estatuto profissional destes docentes é reduzido ao trabalho a tempo parcial, salários mais baixos, não se dedicando em exclusividade ao ensino e pesquisa em Serviço Social; o Serviço Social com uma base teórica específica deveria ser reconhecido na universidade como disciplina autónoma. (Campanini, 2011)
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